Botas Batidas

0 7 3 distração visual. Envelheço para ver como poderiam ser. Apenas o rosto. – Por quê? – Não sei. De repente encontro um que me convida para este pequeno devaneio. Em segundos, sou ca- paz de inserir anos e camadas de pele. Até perceber que o tempo foi suficiente para torná-lo velho. De- pois, procuro um rosto velho já conhecido e confir- mo minhas intenções. – O lado bom é que tu desejas secretamente que todos fiquem velhos. Que todos tenham uma longa vida. – Não havia pensado nisso. – Pois é. Eu também faço isso. Mas no sentido oposto. Olho um velho e imagino como teria sido. Eu mes- mo me vejo no espelho e vez por outra não consigo perceber o rosto jovem que já tive. Então, vou encon- trando partes de meu rosto em cada um de vocês. Assim, reconstruo a mim mesmo. Nem sempre fun- ciona. Mas daí recomeço. – O senhor não lembra porque embaralha todas as passagens de tempo ou porque falha a imaginação? – Neno, eu acumulei tantas imagens. Tantas imagens inúteis que não têm sentido. Como a gente junta ex- cessos. Como a gente se distrai com o tempo. – De repente uma pessoa que eu envelheci não chegaria nem perto da aparência que eu a prometi. Não é uma decepção. Mas uma imaginação que não deu certo. – Exato, filho! Nem sempre a imaginação dá certo. Mas ao menos é possível reparar: na imaginação há tem- po para tudo. Até para jogar pela janela.

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