29 Je t’aime, chéri. Não pude cumprir a minha promessa para com o Luís Felipe de imobilidade e invisibilidade. Precisava ir ao banheiro. Deveriam ser duas da manhã. Não poderia mais permanecer imóvel na minha pol- trona, ao lado do Ghislain. Dentro da CTI não há sanitários, apenas do lado de fora da unidade. Procurei por algum enfermeiro ou técnico de enfermagem que me indicasse onde ir. Expliquei que estava lá, que tinha autorização para tanto, que não iria embora, nem poderia, “O meu marido não fala português, só francês”. Saí da unidade munida das indicações de como proceder. Deveria sair, localizar o sanitário, utilizá-lo, e, ao voltar, tocar a campainha. A técnica que me atendeu sugeriu que, se não me escutassem, o que seria possível ocorrer, eu insistisse no toque da campainha. Saí da CTI com o coração apertado por deixar o Ghislain sozinho, mas tranquilizei o meu marido. Iria apenas fazer pipi , como ele com- preenderia, e logo estaria de volta. Já de retorno, toquei a campainha. Ninguém veio abrir a porta. Esperei uns segundos, e de novo insisti, e mais outra vez, e outra. A angústia tomou conta de mim, até que alguém, um jovem técnico, entreabriu a porta da unidade e, com manifesta contrariedade, per- guntou asperamente o que eu queria. – Moço, eu estou aqui, tenho permissão, “O meu marido não fala português, só francês”, ele está aí, expliquei de forma quase inaudí- vel. Preciso entrar. – Mas a senhora não sabe que isso aqui é uma unidade de trata- mento intensivo, que há gente muito mal aqui dentro, que não po- dem se submeter aos seus desmandos? A senhora poderia ter tido ao menos boa educação, ele esbravejava, olhando-me com uma raiva que até hoje não compreendi de onde provinha. Não entendi. Expliquei, em vão, reduzida apenas àquele sofrimen- to sem nome e tamanho, que eu fizera tudo o que me disseram para fazer, exatamente, nem menos, nem mais. Até porque eu tinha um compromisso de honra com o Luís Felipe, não iria desapontá-lo.

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