16 não está efetivamente doente? Isso talvez não passe de um eufemis- mo clínico! Naturalmente que todas as pessoas deveriam ser orientadas a ter hábitos saudáveis e não apenas aquelas com pré-doenças, mas colo- car rótulos e fazê-las tomar medicamentos antes mesmo de terem uma doença clinicamente manifesta não é necessariamente saudá- vel. Isso é, de certa forma, criar doenças. E isso implica riscos, mas, é claro, aumenta muito o número de pessoas que consultam e tomam remédios. Também parece ser economicamente bom para o sistema e, dessa forma, deve permanecer. Ao adiantar o relógio da doença nesses termos, o que se faz é an- tecipar o “ponto zero” da doença. O nome técnico disso é viés de an- tecipação, já que pode causar a falsa impressão de que as pessoas diagnosticadas mais precocemente vivem mais, quando na verdade elas apenas vivem é mais tempo com o diagnóstico. Ao tratar todos os “pré-doentes” como se já fossem doentes, estamos garantindo que todos serão tratados, mas estamos também tratando desde já mui- tas pessoas que jamais precisariam de tratamento ou que levariam vários anos até precisar de algum tratamento. E isso tem custo para a pessoa e para o sistema de saúde todo. Na tentativa de evitar al- guma possível complicação tardia de uma doença, garantimos uma complicação agora. É como se tentássemos evitar uma complicação antecipando-a. Sêneca já dizia que “não há nada de mais lamentável e nada de menos sábio do que um medo antecipado... que demência é essa de antecipar um infortúnio!” E olha que ele e seus colegas estoicos nun- ca foram de fraquejar ante os infortúnios inevitáveis da vida. Quan- do gente desse calibre se permite questionar algo, deveríamos nós, as pessoas comuns, pelo menos olhar aquilo com certo ceticismo. Algumas vezes é antecipada uma doença que tem tratamento (como o diabetes), às vezes é antecipada uma doença que não tem tratamento efetivo satisfatório nem quando plenamente manifesta (como no caso da demência) e outras vezes, ainda, antecipa-se algo que nem chega a ser uma doença e, sim, mais propriamente, um fator de risco (como no caso da hipertensão). Aqui chegamos ao extremo de diagnosticar uma pré-pré-doença.

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