46 URBE  #5  intermitências URBANAS movimento artístico e o desgasta em ações marketeiras até a sua exaustão. Se você é uma pessoa ligada no que acon- tece por aí, tente se lembrar de quantas campanhas, perfumes lançados e ações que envolviam artistas urbanos. Se não pegasse mal, eu poderia citar pelo me- nos umas 10. Para dizer que não falei das flores, alguns artistas urbanos já se apropria- ram de forma bem interessante da pró- pria rua, como JR, que usa retratos de pessoas que encontra em suas andan- ças para criar os lambe-lambes gigantes que ele espalha pelo mundo. Como curadora, o que eu sinto falta é de ser surpreendida: ver mais a rua, a cidade, as estrelas, os planetas, a li- teratura, a engenharia, a ciência e outras áreas do conhecimento serem usadas como matéria prima para a inspiração e a criação, de forma esteticamente nova e estimulante. Os movimentos artísticos modernistas viraram do avesso o que já estava aceito e estabelecido em seu tempo. É necessário um certo colhão. Lembram da crítica do Monteiro Lobato quadradão quando viu O ho- mem amarelo , da Anita Malfatti, duran- te a Semana de Arte Moderna? “Há duas espécies de artistas. Uma com- posta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretiza- ção das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. (...) A ou- tra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpre- tam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cul- tura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de esta- ção, bichados ao nascedouro.” O que vemos quando circulamos por aí é nada além da arte apenas como elemento estético, repetindo clichês já. Dá uma certa saudade da rebeldia punk dos zines do tempo em que a criativi- dade tinha que superar a falta de ferra- mentas e informações sobre tudo. Quem tem a pretensão de inovar a linguagem ou, no mínimo, o ponto de vista na arte contemporânea, sem ser chato e se agarrar na legenda, tem uma missão difícil, que exige muito mais do que uma pesquisa diária em dezenas de portfólios. Será que não é um processo sem volta? Talvez a minha dor de cotovelo não seja tão diferente da do velho Mon- teiro Lobato despreparado para uma revolução. Mas se a revolução cultural artísti- caedasmanifestaçõesurbanasdonosso tempo não serão mais do que reprodu- ção da reprodução, que pena, ah... que pena. Isso só o futuro há de mostrar. janara lopes O homem amarelo, Anita Malfatti

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