45 URBE | # 04/04 | EFEMERIDADES URBANAS razão e pelo instinto de autopreserva- ção, estamos destinados a perseguir e, na plenitude do tempo, alcançar. Mais cedo ou mais tarde, advertiu Kant, não haverá uma única nesga de espaço va- zio onde possam procurar abrigo ou resgate os que considerem os espaços já ocupados muito apinhados, inóspi- tos, inconvenientes ou inadequados. E assim a Natureza nos obriga à visão da hospitalidade (recíproca) como o pre- ceito supremo que precisamos – e aca- baremos sendo forçados a – abraçar e obedecer para pôr fim à longa cadeia de tentativas e erros, às catástrofes causa- das por esses erros e às devastações que elas deixam em sua esteira. 8 Considerado o fator natureza, so- mente será possível aceitar o ponto de vista idealista para a cidade quando, de algummodo, ela for projetada. Caso con- trário, parecerá sempre que as cidades se formam simplesmente por impulsos relacionais inconscientes. Dito isso, quem projetará a cidade? Quem a programará se os temas se pulverizamemmilhares de problemas e soluções possíveis? Não importa tanto saber como chegamos a esse ponto, mas, sim, como vamos prosseguir impondo for- mas a uma cidade dividida entre tantos interesses particulares. Retomando Flusser, a cidade ma- terial é a deformação da cidade imate- rial das relações, essa é a fatalidade im- posta pela persistência da concepção idealista que se reflete gravemente nas ações transformadoras empreendidas pelas sociedades mercantilistas e indus- triais. O ideal de uma cidadania comum para a espécie humana somente será viável quando, conforme ele mesmo sustentava, for possível se promover uma “conversação” capaz de constituir a realidade para os cidadãos, sem lhes impor a felicidade como obrigação. Da cidade ideal pode-se dizer o mesmo que Baudrillard disse da Dis- neylândia, que não é verdadeira nem falsa, é apenas mais um limite a ser transposto na direção do real. Fabriano Rocha é artista plástico, designer gráfico, ilustrador e mestrando em design no programa de pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis. Edita, desde 2001, com periodicidade irregular, a revista de cultura MaisUmasCoisas. Como artista plástico já realizou três exposições individuais e participou de diversas coletivas.. Referências Flusser, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: CosacNaify, 2007. Bauman, Zygmunt. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. Fotos: Fabriano Rocha

RkJQdWJsaXNoZXIy NjI4Mzk=