44 URBE | # 01/04 | CARTOGRAFIAS URBANAS vitor mesquita O espaço público é também local de reflexão A riqueza iconográfica urbana da con- temporaneidade e as novas conexões globais promovem uma revolução vi- sual talvez jamais experimentada em toda a história da arte 1 . Nas principais metrópoles do mundo, não se discute e promove outra expressão que não a arte que flui, apropria e surge em meio ambiente urbano. Com a comu- nicação em rede, a configuração de espaço urbano deixa de obedecer à cartografia tradicional e passamos a recolher o que as metrópoles produ- zem em demasia: imagens. Quando vamos a um museu, es- tamos direcionados. Há uma predisposi- ção para o encontro com a arte. Somos espontaneamente evocados a refletir. Quando estamos no ambiente urbano, significa que estamos em um ambiente que em tese não excita a procura por arte. De repente, ocorre a via contrária: a arte é que nos encontra. O inusitado. Aquiloque está descolado do convencional é provo- cador. Pergunta! Quem se comunica por meio de uma interferência urbana provo- ca. Quer chamar a atenção para alguma mensagem. Temos, então, que decodifi- car. Afinal, o que quer dizer aquela ima- gem ou mensagem? Essa decodificação força a refletir! Talvez, o modo de a arte visual se inserir no contexto de provoca- ção tenha um componente antropológi- co: a cidade é nossa caverna em mega- proporções. Desde Lascaux e Altamira, nos comunicamos pintando paredes. Antes da invenção da escrita, as imagens eram meios decisivos de comunicação. Tudo converge para a cidade e a partir dela tudo se multiplica. A cultura visual urbana sai da grande caverna e se torna mercadoria. Entra para a lógica do con- sumo. Por acaso, não descobrimos no mundo aquilo que nós mesmos teríamos inserido nele? 3 Encontramos nele aquilo que já trazemos em nós. 4 Devaneio como método de olhar O espectador contemporâneo tem hoje um repertório não necessariamente de cultura, mas de domínio de narrativas que permite a ele uma exploração de contornos de gestos envolvidos. Seja pelo volume de imagens, pelo esvazia- mento de conceitos que exigem maior aporte de conhecimento; o fato é que in- terpretar pressupõe contextualizar con- ceitos, tornar algo comum entre emissor e receptor, em que meio e código se engendram como faces da mesma mo- eda. No entanto, a ação não pode ter o caráter de prótese. Sua qualidade solicita um pensamento em superfície. É preci- so ler procurando evitar o automatismo perceptivo porque toda a ação humana é ação de comunicação e exige uma nova imaginação. Talvez, exercitar as su- perfícies – tal qual Marcovaldo 5 de Ítalo Calvino – seja uma saída de emergência para um novo modo de estar no mundo. Mundo de duplicidades invertidas em que ocorre uma saturação cognitiva a ponto de distração. Parafraseando Ador- no: “distrair-se é estar de acordo!” Podemos eliminar mentalmen- te as coisas, mas não o espaço que elas ocupam. 6 Para que a informação se torne evidente é preciso apenas ler as coisas, decifrá-las 2

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